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É um problema, este dos livros de autores portugueses, que marcam presença nas redes sociais, junto dos leitores. Não me interpretem mal. É uma postura positiva, essa da aproximação com o público-alvo, bem entendido. O problema é meu, que não me sinto à vontade para vos falar de um livro que devorei em menos de nada há largos meses. Tudo porque sei que o próprio autor vai ter acesso à minha opinião. Não que tenha o que quer que seja a esconder, mas exactamente porque não considero que os meus apontamentos tenham tanta importância assim. E isso tem-me retraído de vos falar de "Perguntem a Sarah Gross", o livro de estreia de João Pinto Coelho, que tantos elogios tem colhido, um pouco por todo o lado. Aliás, foram essas críticas exacerbadas que o colocaram no topo da minha interminável lista de "livros para ler", ali por altura da Feira do Livro, em Lisboa.
João Pinto Coelho é um autor estreanlte, editado pela D. Quixote, que chega com o importante estatuto de "quase vencedor" do Prémio Leya e muitas medalhas de aprovação de nomes sonantes da crítica literária em Portugal. Se é merecido? Em parte, sim. Mas vamos com calma. A grande surpresa de "Perguntem a Sarah Gross" - além do título em estrangeiro, que salta à vista - é a linguagem quase cinematográfica da realidade criada por este autor para nos contar uma história que pretende romancear. Uma história crua, bruta e que tira o chão para sempre, assim que lá chegamos. Uma história onde não há personagens nem realidades portuguesas, ressalve-se. "Perguntem a Sarah Gross" é um romance universal e, só por isso, um passo de gigante para João Pinto Coelho. Ambientado em duas épocas distintas, com cenário na Polónia da II Guerra e nos Estados Unidos da América da actualidade, este é um livro que tenta guiar o leitor ao sabor de acontecimentos, memórias e alusões de passados recônditos. Uma ambição nem sempre conseguida, na minha opinião, e explico porquê.
A história que o autor nos quer contar, e de que tem aprofundado conhecimento, é muito mais poderosa do que o cenário em que é enquadrada. O desiquílibrio entre as duas realidades retratadas neste romance - que não poderei alguma vez esquecer - chega a ser constrangedor. Sem querer revelar mais do que me é permitido, a última metade do romance - que nos é contada sob um pretexto fraco e com pouca substância, na minha opinião - é absolutamente esmagadora. Quer pela qualidade e ritmo da história, quer pelo enredo e a nauseante certeza de que tudo o que lemos, apesar de fantasiado, aconteceu um dia. Ora, o grande problema deste livro - que recomendo - é mesmo o enquadramento da história de Sarah Gross, que me soa atabalhoado e pouco verdadeiro, sem qualquer desprimor para o autor. Trata-se apenas de uma questão de estratégia que, do meu ponto de vista, não resulta com seria suposto.
Ainda assim, graças a "Perguntem a Sarah Gross" vi-me mergulhar no universo do Holocausto por mais três livros que devorei compulsivamente, de garganta apertada e com a fé na humanidade a desaparecer em cada página que virava. Como por um passe de mágica, tropecei em "No Rasto de Anne Frank" e "Os Últimos Sete Meses de Anne Frank". Foi um Verão difícil de digerir, com uma sentença que só encontrou alguma calmaria depois de "Se Isto é Um Homem", de Primo Levi. Não porque as atrocidades descritas sejam menos acutilantes, mas porque deixei de ter capacidade para absorver outros relatos. Pelo menos, nos próximos tempos. Em resumo, e para que não restem dúvidas, "Perguntem a Sarah Gross" é um relato impressionante, romanceado mas real, que não pode ser ignorado. Se pensam que já sabem o que foi a II Guerra, mudem de ideias. Leiam este livro de João Pinto Coelho.