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caixa dos segredos

Bocados de mim embrulhados em palavras encharcadas de emoções. Um demónio à solta, num turbilhão de sensações. Uma menina traída pelas boas intenções.

01
Jun17

O erro que é meter tudo no mesmo saco


vanita

Eu cresci numa pequena terra chamada Benedita. Nome bonito, nem está mal localizada. Fica mesmo ao lado da antiga Estrada Nacional Número 1, a menos de 20 quilómetros de Alcobaça, pouco mais das Caldas da Rainha e revés Campo de Ourique com Rio Maior, concelho vizinho. Assim dito, parece bem. Mas, além de uma inexistente rede de transportes que facilitasse estes acessos, as próprias infra-estruturas em termos de ligações também estão a anos-luz de serem perfeitas. Pelo contrário, as estradas que ligam estas populações são por feitas de curvas e contracurvas, são estreitas e fazem-se pelo meio dos vários lugares, com cruzamentos e mudanças de direcção que dificultam a chegada a qualquer lado. E nem vou falar da eterna questão do alcatrão que isso é assunto que me desgasta. Feita a apresentação, eu cresci numa terra meio isolada e, não tivesse sido a profética acção dos meus avós e seus conterrâneos, talvez a minha instrução tivesse ficado hipotecada ali pelo sexto ano de escolaridade, que é até onde o Estado oferece esse serviço público que é a educação escolar. E isto na minha geração que nesses tempos dos meus avós, nem isso havia. Ora bem, gente pobre e com dificuldades, esses beneditenses dos anos 50 cedo perceberam que tinham de garantir forma de assegurar a educação dos filhos, já que as escolas de Alcobaça, Caldas da Rainha ou Nazaré não eram sequer alternativa. Não havia forma de lá chegar. Estávamos em 1950 e troca o passo, não preciso de explicar por que é que era difícil lá chegar. Apenas os descendentes de famílias com mais posses se podiam dar a esse luxo. Mas entenderam estes avós que essa distinção não deveria existir e vai de por mãos à obra. Com ranchos de filhos em casa e sem dinheiro para mandar cantar um cego, no tempo em que os rapazes iam para o Ultramar e em que uma sardinha se dividia por muitos estômagos, esta gente da Benedita criou uma Cooperativa de Ensino para garantir o futuro da terra. O Externato Cooperativo da Benedita nasceu da necessidade do povo e da ausência de resposta do Estado. Foi a primeira cooperativa de ensino da Península Ibérica. Um caso exemplar de sucesso que consta inúmeras vezes das listas de melhores escolas a nível nacional. Com mais de 50 anos, há tantas histórias que se podem contar que o mais certo é cometer a injustiça de não as destacar. Há, no entanto, um nome que é indissociável do Externato Cooperativo da Benedita: o Dr. José Gonçalves Sapinho foi o homem que, não sendo da Benedita, mais contribuiu para o bom nome da Instituição, bem como pelo rumo que a distingue das demais. O ECB é uma escola semi-privada, que faz uso de dinheiros públicos por fornecer à população um serviço que o Estado não assegura. Funciona com gestão privada mas não é um colégio no sentido que se conhece. O ECB está aberto a toda a população sem distinção e sem pagamento de qualquer propina para a sua frequência. É uma escola aberta a todos e a única alternativa existente para a Benedita e algumas das freguesias vizinhas. Os órgãos de gestão não são pagos a peso de ouro, nem há carros caros estacionados nas garagens. Todo o financiamento é investido na melhoria das condições para os alunos. E tudo isso é visível e facilmente comprovado. Ora o Estado decidiu que devia cortar nos financiamentos às escolas privadas e, adivinhem: este ano o ECB está incluído nos cortes do Ministério da Educação. A questão é que o ECB não é uma vulgar escola privada. O ECB é a única alternativa que existe para aquela população. Estes cortes obrigam os jovens estudantes a recuar 50 anos, ao tempo em que os nossos avós não tinham alternativa para garantir um bom futuro para os seus filhos. Sim, porque ir estudar para Alcobaça, Caldas da Rainha ou Nazaré continua a ser tão inviável como naquela altura. Além de que nem sequer é válido que essas escolas tenham capacidade para albergar a comunidade estudantil da Benedita, que é só o motor de desenvolvimento da vila. Vamos colocar tudo no mesmo saco? Vamos deitar por terra tudo o que os nossos avós construíram? Estará a sociedade devidamente informada para entender que nem todos os "colégios privados" são albergues de meninos ricos?

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