Não te esqueças de ir ao pão!
vanita
Quando era miúda e as férias grandes se estendiam preguiçosamente por tantos anos que chegavam a durar mais de três meses, o tempo corria com o vagar do pôr-do-sol estival e a minha mãe incubia-nos de uma uma simples missão: tínhamos de ir ao pão. Largados às tarefas de manter ceifados os campos das redondezas, que nunca viam as ervas daninhas vingar dada a correria que por ali se dava, e de assegurar que os figos e amoras silvestres eram colhidos e comidos a tempo de dar lugar lombrigas na barriga, apenas nos pediam que encontrássemos espaço para levar a bicicleta a casa da senhora que cozia o pão no forno a lenha e trazê-lo de volta para casa. Ficava a pouco mais de 800 metros, talvez chegasse mesmo ao quilómetro, era perto e o caminho fazia parte do perímetro de segurança que delimitava a nossa infância. Todos os dias jurava que ir ao pão seria a primeira tarefa do dia. Todos os dias via a minha mãe regressar do trabalho e percebia que me tinha esquecido do pão. A senhora do pão azucrinava-nos o juízo com as nossas falhas - que o pão se estragava, que ficava duro, que não valia a pena cozê-lo e não sei que mais. Mais eram os dias em que trazia um saco com dois pães - o de ontem e o de hoje - pendurados no guiador da BMX azul, do que aqueles em que cumpria a tarefa com a precisão a que me propunha todas as noites. O tempo passou e, ainda hoje, me lembro que devia ir ao pão, cumprir uma tarefa que ficou por fazer.
Isto para vos dizer que há uns três anos que comprei uma bolsinha para levar as chaves à cintura. A ideia é aderir ao running, sair de casa e ir caminhar, adoptar uma vida saudável. Todas as semanas planeio e defino estratégias, mapas e truques. Quando tiver 80 anos virei cá contar-vos esta história, em tudo semelhante à do pão. Pode ser que nesse dia não me esqueça.