Do que fomos
vanita
Hoje desci a rua do que eu era e, ao descer, senti que lhe falta alma. O peso do vazio sentia-o eu, no meu peito, invisível para quem ali constrói memórias frescas. Desci a rua e levei pelas mãos os fantasmas das pessoas que já lá não estão, dos momentos de angústia, alegria, loucura e nostalgia. Desci outra rua, apesar de ser aquela e também já não ser quem a descia. Fundi-me na pessoa que já lá não mora e exultei de uma felicidade triste, acabrunhada por tudo o que dali desapareceu. Não estão lá as minhas pessoas, as minhas histórias nem as vidas que ali se cruzaram. Os vestígios do que ali se disse e se fez e sonhou desvaneceram-se em fachadas que já naquele tempo eram carcomidas e feias. Não resta nada além de um sentimento de pertença a lado nenhum. A um sítio que só existe na cave obscura de uma memória que se desfaz a cada dia. Desci a minha rua e ela já não existia.