De olhos no chão
vanita
É um homem alto, já a entrar numa idade de cuidados, mas ainda robusto e bastante ágil. É um homem inteligentíssimo e culto, um saber reconhecido pelos pares. É também um homem distraído, que por vezes, tropeça e cai do alto dos seus quase dois metros. “Eu habituei-me a olhar para a frente enquanto caminho”, explica, tornando quase instantaneamente ainda mais alto ao dizer estas palavras. “Ele é distraído”, completa a mulher, já sem ele ouvir: “Um dia destes resolveu ir conversar com os senhores das obras e andava por ali sem olhar para onde punha os pés. Tinha de o estar sempre a interromper para o avisar de uma mangueira, de um ancinho. Ainda não se tinha desviado de um, já se estava a meter noutro porque, lá está, ele não olha para o chão”. Olhando para o porte altivo mas simpático daquele homem tão culto, rapidamente formulei uma teoria de chapa cinco sobre a postura que assumimos perante a vida e o lugar onde acabamos por chegar. Condenei-me por, com apenas metro e meio, ter sempre o cuidado de ver por onde piso. Nem de propósito, mais tarde, enquanto corria para o comboio, salvei o dia a um rapaz que, tendo-se levantado do banco onde estava para subir para a carruagem, nem se apercebeu, mas deixou cair a carteira com todos os cartões, documentos e dinheiro que tinha. Enquanto lhe devolvia a carteira, não pode evitar um sorriso ao lembrar-me quando há uns anos encontrei mais de trezentos euros no chão. Nesse dia não consegui descobrir o dono. O que me leva a mais uma teoria de chapa cinco, a de que, afinal, de teorias está o mundo cheio. E vocês, quando andam olham para o chão ou olham em frente?