19
Abr14
Curiosamente, sou Bartleby
vanita
Renuncio à escrita não porque não a tenha dentro de mim mas porque não encontro instrumentos para a fazer perfeita. Desde que aprendi a escrever que outros apregoam o meu futuro na literatura com alguma convicção, mas o terror daquela página em branco e o processo doloroso que levou à criação da pequena história que arrebatou a professora primária ainda hoje é uma realidade para mim. Durante muito tempo, usei como defesa a realidade. Assumia que sim, que escrever é parte de mim, mas explicava que gostava de o fazer com factos reais e, a partir daí, ter matéria para dar azo à minha criatividade. Ser jornalista durante mais de dez anos sossegou os convictos que, ainda assim, de tempos a tempos lá perguntavam quando é que finalmente escrevia um livro. No meio de um suspiro de angústia, passei a justificar-me com o respeito que tenho por todos os verdadeiros escritores. Não quero ser mais um desses auto-intitulados escritores que nem humildade têm para reconhecer que escrever umas páginas não chega para se equipararem a Saramago ou Eça de Queiroz. E agora, que me sobram cada vez mais rascunhos e ideias sobre histórias que apenas existem na minha cabeça, escasseiam razões para não tentar o que tantos fazem sem medo. Hoje em dia qualquer um escreve um livro e muitos até são de valor. O que me impede de experimentar? Quem me garante que não acontece como a composição da escola primária? Voto no complexo de Bartleby. Pelo menos assim, tenho uma justificação literária que me confere carisma. É frustrante, mas vai ser a minha nova desculpa.