Isolamento
vanita
Há uma inquietação permanente. É esta angústia que tentamos disfarçar com gestos falsos de uma rotina que nos obrigamos a criar. A novidade do futuro incerto deixa-nos pendentes num presente sem ambição. Até quando?
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
vanita
Há uma inquietação permanente. É esta angústia que tentamos disfarçar com gestos falsos de uma rotina que nos obrigamos a criar. A novidade do futuro incerto deixa-nos pendentes num presente sem ambição. Até quando?
vanita
Como acto simbólico pelo Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor, gostava de vos pedir que comprem um livro. Basta um. Se cada um de vós o fizer, já faz a diferença. Vamos assinalar o dia com um gesto positivo.
Obrigada e leiam muito.
vanita
Finalmente ganhei coragem e fiz as contas: estou há 48 dias em casa, com um intervalo de cinco dias pelo meio. Estou a dar em maluca.
Eu sou uma pessoa caseira: adoro o sossego de estar em casa e não ter de sair. Não me é, por isso, difícil aceitar o desafio que o novo coronavirus nos está a impor. E, na primeira semana de isolamento social, quando praticamente ninguém estava ainda nessa condição, apesar de ser uma obrigação estranha - até porque tivemos de cancelar uma festa de aniversário e, naquela altura, ainda parecia uma medida excessiva -, nessa primeira semana, tudo parecia novo e até reconfortante. O corpo de qualquer trabalhador pede esse descanso. Ficar a trabalhar a partir de casa, não perder tempo com as deslocações, descobrir as maravilhas do teletrabalho (também as há, ou havia...). Ainda tudo era novo e não se pensava sequer que se tinha de ter tantos cuidados nos pedidos de entrega ao domicílio. Sabíamos lá, éramos uns meninos.
Depois disso, regressei à rotina e, apesar do clima de medo e dos cuidados acrescidos - estava convencida que, no minuto em que pusesse o pé novamente fora de casa é que iria realmente ficar infectada - ainda nada era como agora. Ainda se conseguia brincar com a quarentena. Um dia antes de voltar ao trabalho descobri inúmeras paródias musicais que se faziam lá fora - o coronavirus ainda era um fenómeno estrangeiro - e encantei-me por uma dessas cantigas parvas. Ultimamente surge em loop na minha cabeça quando menos espero.
Mas o medo já tinha feito ninho no meu coração. Durante essa semana não abri uma única porta de comboio sem proteger as mãos com um lenço de papel e apliquei o mesmo nível de cuidado e atenção ao momento em que passava a tira magnética do passe nos canais de entrada e saída das estações. Fiz viagens inteiras em pé sem me segurar a nenhum corrimão, apenas sustenta com a força dos pés e do equilíbrio quando havia uma guinada mais afoita por parte dos motoristas. Ao fim de três dias, no que foi um grito de Ipiranga, passei a levar o carro para o trabalho. É uma decisão e tanto porque, com a hora de ponta, é impossível chegar a tempo de picar o ponto. Surpresa, não só cheguei a horas como fiz as viagens em tempo record. Quando tomei esta decisão as horas de ponta já tinha desaparecido. Aconteceu tudo nessa semana.
Nessa sexta-feira despedi-me dos meus colegas com um “até ao verão”. Era demasiado tempo mas o medo já se tinha instalado em mim e comecei, ainda que inconscientemente, a perceber que isto não se iria resolver num simples estalar de dedos. Durante esses cinco dias despachei todo o trabalho que não consigo fazer em teletrabalho. E isso fi-lo de forma consciente. A experiência da semana de isolamento que já trazia fez-me ser prudente nesse sentido e quis salvaguardar qualquer eventualidade. Nessa noite regressei a casa e, desde então, não tornei a sair. Passam 48 dias e, por mais que me sinta a pessoa caseira que falei lá em cima, já não aguento a minha casa, o confinamento e, sobretudo - essa grande diferença em relação à primeira semana de isolamento -, a sensação de estranheza de que o mundo lá fora não é igual e não o voltaremos a ver tal como era. É angustiante e até sufocante quando penso nisso. Felizmente, não o faço com intensidade todos os dias, obrigo-me a isso.
Na verdade, cá dentro, temos vivido uma quarentena tranquila e apaziguadora. O pior é tudo o resto: as notícias, o futuro, as ameaças de layoff, as preocupações com a família e amigos. Vivemos no fio da navalha, combatemos um inimigo invisível e não fazemos ideia de quando nem como isto irá terminar. Sabemos apenas que o retorno será difícil, demorado e caótico e também temos consciência de que os nossos comportamentos e hábitos sociais vão transformar-se de forma radical. Será que alguma vez voltarão a ser como eram? E é nesse momento que o mundo nos parece mais pequenino e claustrofóbico: queremos de volta o contacto humano descomplexado e sem desconfiança, as risadas e os abraços, as festas de família e os mergulhos na praia. Queremos sorrir sem máscaras e não sabemos quando é que o poderemos fazer novamente. 48 dias + 5 de intervalo é apenas a conta inicial desta quarentena. Vamos fazê-la como uma maratona. A meta pode ser a vacina ou a imunidade, o que chegar primeiro. Mas vamos chegar lá.
vanita
Uma grande percentagem dos portugueses não era ainda nascida, ou só usava cueiros, quando se deu o 25 de abril. Nem por isso a sua mensagem deixou de passar. Felizmente, a grande maioria da população defende os princípios da revolução sem hesitar. Somos todos abril. Nem todos descemos a Avenida da Liberdade anualmente, a maior parte nem vive em Lisboa. Não é isso que faz abril. E estaremos a mentir se dissermos que todos os anos assistimos com pompa e circunstância aos festejos oficiais da data. É feriado e há quem esteja de férias, quem tenha aproveitado a noite para se divertir, outros que ainda nem se levantaram ou já estão a trabalhar desde cedo. Nem por isso se deixa de viver abril. Não é preciso comemorar a data para assinalar a sua existência. Por muito que isso choque quem viveu a data no momento, esta é a mais pura verdade. E ao argumento de que a democracia vive de gestos simbólicos, só podemos responder que o mais simbólico de todos que é o respeito pelo outro. Estamos em Estado de Emergência, o primeiro desde 74, mas em momento algum sentimos que a Liberdade está em risco. Se pedimos a cada cidadão que respeite as regras que o inimigo nos impõe, o exemplo tem de vir de cima. E, neste caso, o gesto vale mais do que a ação em si. Pode ser o mesmo grupo que se tem reunido em todos estes dias, mas a celebração insulta o esforço que cada um de nós está a fazer por cumprir o que nos é pedido. E escusam de vir com insinuações da agenda política que se esconde por detrás destes protestos. Não somos ingénuos e é óbvio que haverá intenções menos ortodoxas. Mas não são as que movem a maioria dos portugueses que se sentem ofendidos com esta decisão. Os portugueses apenas pedem respeito. E é disso que é feito o 25 de abril. É lamentável que queiram estragar a data que melhor nos define. 25 de abril sempre.
vanita
- Fazemos uma vídeo chamada agora?
[o quê? socorro, ainda estou de pijama, a dormir, não me penteei, tenho remelas, não quero aparecer com estas nódoas na roupa, vão perceber que não estava com o computador ligado]
- Ok, daqui a cinco minutos?
[corre para trocar de roupa, tomar um duche, ligar o computador, conectar a VPN, atirar os miúdos para dentro do armário, por rímel nas pestanas, retirar todos os sinais de crime das estantes por detrás do computador...]
- Bom dia, já aqui estou!
- Eu também, mas não consigo ver nada.
- A Sara está ligada mas não tem o micro a funcionar.
- Como é que ligo isto ao micro e câmara do PC?
- Só tens de instalar no....
[imagem estática numa posição nada favorável e pequenos ruídos metálicos...]
- Olha, o Pedro congelou!
- Pois foi! Vou tirar uma foto.
[inês sai da conversa]
- Pedro, ninguém te está a ouvir.
- A rede deve ter ido abaixo.
- Acho que estamos com problemas com a operadora...
[inês volta a juntar-se à conversa]
- Devias ter visto a tua imagem. Ficaste mesmo bem.
- Bem, pessoal, já estamos todos. Vamos começar a reunião.
- Deixem-me tirar uma foto de todos para mostrar que estamos em teletrabalho mas a trabalhar a sério. Depois publicamos nas redes sociais.
- Opá, não, eu odeio [novo momento de congelamento de imagem]
- Agora é que é. O que vos queria dizer é que.... O quê? [olha para o lado quando o telemóvel toca]. Olhem, desculpem, já está na hora de reunião com a administração. Temos de fazer isto depois. Combinado?
- O quê? Deixei de ouvir quando ias dizer o motivo da reunião.
- Esquece, temos de agendar outra.
[começa a debandada de saída, cada um à vez, com despedidas particulares para cada um dos elementos presentes]
- Gostei muito deste momento. Acho que é importante para nos organizarmos e estarmos todos em sintonia.
- Obrigada a todos.
- Obrigada Sara, obrigada Pedro, obrigada Inês...
- Onde é que está o ficheiro para avaliar a chamada?
[desliga a chamada, confirma durante cinco segundos se já ninguém está a ouvir o que se passa em casa, troca a camisola pelo pijama novamente e resolve tudo rapidamente por SMS e Mail]
277 seguidores
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.