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caixa dos segredos

Bocados de mim embrulhados em palavras encharcadas de emoções. Um demónio à solta, num turbilhão de sensações. Uma menina traída pelas boas intenções.

27
Jan19

Da candura


vanita

Vejo fotos antigas desta escritora e o ar austero e de dama de ferro adivinha-se na dureza de um olhar que nem a lente atenua. Margaret Drabble foi uma mulher de convicções e ideias bem rígidas, consegue perceber-se. Mas não foi esta Margaret Drabble que esteve em Lisboa a promover o seu primeiro livro traduzido para português. À beira dos 80 anos, esta escritora inglesa rouba-nos o coração pela candura com que fala. Os olhos são meigos e tristes, bem diferentes do que se vê nas fotos de outros tempos. Margaret Drabble perdeu uma das filhas há pouco mais de ano e meio. Morreu de cancro e a sua partida apunhalou esta mãe com o pior dos pesadelos. Depois de se perder um filho, nada de pior pode acontecer. Um desgosto que afecta tantos pais que, sem hesitar, trocariam a vida pela dos filhos perdidos. Toda aquela arrogância e sede de agarrar o universo se desvanece na mais universal das perdas, humanizando quem a sente bem fininha a trespassar o coração. E se aprendêssemos a lição da candura, baixássemos as armas e déssemos o nosso melhor antes que um desses solavancos da vida nos atire borda fora sem aviso prévio? 

19
Jan19

De olhos no chão


vanita

É um homem alto, já a entrar numa idade de cuidados, mas ainda robusto e bastante ágil. É um homem inteligentíssimo e culto, um saber reconhecido pelos pares. É também um homem distraído, que por vezes, tropeça e cai do alto dos seus quase dois metros. “Eu habituei-me a olhar para a frente enquanto caminho”, explica, tornando quase instantaneamente ainda mais alto ao dizer estas palavras. “Ele é distraído”, completa a mulher, já sem ele ouvir: “Um dia destes resolveu ir conversar com os senhores das obras e andava por ali sem olhar para onde punha os pés. Tinha de o estar sempre a interromper para o avisar de uma mangueira, de um ancinho. Ainda não se tinha desviado de um, já se estava a meter noutro porque, lá está, ele não olha para o chão”. Olhando para o porte altivo mas simpático daquele homem tão culto, rapidamente formulei uma teoria de chapa cinco sobre a postura que assumimos perante a vida e o lugar onde acabamos por chegar. Condenei-me por, com apenas metro e meio, ter sempre o cuidado de ver por onde piso. Nem de propósito, mais tarde, enquanto corria para o comboio, salvei o dia a um rapaz que, tendo-se levantado do banco onde estava para subir para a carruagem, nem se apercebeu, mas deixou cair a carteira com todos os cartões, documentos e dinheiro que tinha. Enquanto lhe devolvia a carteira, não pode evitar um sorriso ao lembrar-me quando há uns anos encontrei mais de trezentos euros no chão. Nesse dia não consegui descobrir o dono. O que me leva a mais uma teoria de chapa cinco, a de que, afinal, de teorias está o mundo cheio. E vocês, quando andam olham para o chão ou olham em frente? 

02
Jan19

2019 - é desta que começamos a olhar em frente?


vanita

A 1 de janeiro de 2008 aderi ao Facebook. Ainda era uma rede social de ecos e silêncios, escrevia-se em inglês e passavam vários meses sem que se fizesse sequer login. Na berra estava o Hi5 e os blogs, discutia-se o “futuro”: o microblogging das redes sociais emergentes como o Twitter ia aniquilar e abafar o espaço ocupado pelos grandes posts. Isto, na imprensa especializada, em ninchos de interessados. Era conversa que passava despercebida ao comum dos mortais.

Por essa altura, jornais e revistas portugueses sabiam que existia uma crise anunciada mas ainda não a sentiam na pele. As redações emagreciam aos poucos, não era perceptível o que ainda por aí vinha. A presença no digital era praticamente nula e bastante rudimentar. Os movimentos de massa no online eram - e sei do que falo - totalmente desconhecidos por parte das cabeças pensantes nas administrações e chefias de muitos grupos de comunicação social. A não presença no digital era um orgulho, uma teimosia e uma certeza de que não abdicavam. Os caminhos são complicados e, mesmo a esta distância, é difícil distinguir qual teria sido a melhor postura perante aquilo que, na altura, eu gostava de chamar de “mudança de paradigma”. A presença online era requerida e exigida, soubemos disso quando vimos ascender bloggers e influencers ao estatuto de mega estrelas com capacidade de influenciar as gerações para onde ninguém olha mas que nunca páram de crescer - no prazo de cinco anos, são sempre os mais novos que determinam escolhas e tendências de consumo que as marcas não podem ignorar. O jornalismo, como infelizmente vem sendo habitual, preferiu esconder-se debaixo da peneira e ignorou todos os sinais. A sua ausência no online abriu espaço para que outros - que não se regem pelos mesmos códigos de conduta e ética - emergissem e, voilá: cá estamos, em 2019, num tempo que corrobora o conceito de “fake news”, aquele que descredibiliza o quarto poder.

E é neste contexto, num contexto em que a batalha é recuperar a credibilidade perdida, que se assiste ao “corre-trás” dos meios de comunicação social, que ainda não se ajustaram à realidade digital e mantêm registos do século passado no exercício da sua actividade. Numa altura em que não há qualquer margem para erros, em que a comunicação social têm de fazer valer a sua notoriedade com o mais rigoroso jornalismo de sempre, assistimos ao apelo desesperado pelo clickbait e à procura pela galinha dos ovos de ouro no digital, com destaque para o maior tiro nos pés de sempre, que é o jornalismo copy paste. Não é preciso ter uma bola de cristal para perceber que o online está minado. Basta perder dois minutos a ler comentários a qualquer notícia publicada nas redes sociais: há sempre alguém que saca das “falsas notícias” para lançar a dúvida e chutar tudo para canto. Isto combate-se com inteligência.

Mais de dez anos depois daquele dia em que aderi ao Facebook, acredito que agora o caminho é outro e que se conquista longe dos murais e das notifcações constantes. Em 2019, os grandes jornais portugueses têm o dever de lembrar o seu percurso aos leitores e de se impôr como fontes credíveis e fiáveis, longe da espuma dos dias. Como sempre, é uma carta fechada. É como os anos novos: nunca sabemos como vão terminar. 

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