11 anos
vanita
Tinha um Nokia de concha, que sempre odiei. Comprei-o para substituir o 6110 que me roubaram numa noite no Bairro Alto. Esse, sim, tinha lá guardadas todas as mensagens importantes do momento mais difícil da minha vida. Além de tudo o que tinha aprendido nos últimos meses, ainda tive que saber superar a perda física de momentos que já passaram. O primeiro iPhone tinha sido apresentado há pouquíssimos meses e eu ainda não tinha percebido para que raio é que aquilo servia: mais um brinquedo a centenas de euros para preencher vidas vazias.
Usava-se o Hi5, a primeira rede social a servir de fonte de informação para alguns jornais. Chegou a fazer manchete no 24horas. Onde é que anda agora o Hi5? No mundo obscuro da internet. Ninguém sabe, ninguém quer saber. O atento mundo profissional do digital discutia a substituição dos blogs pelo microblogging, consubstanciado no Twitter. Uma reviravolta que nunca chegou a acontecer em Portugal.
Apesar dessa discussão, os blogs estavam a dar os primeiros passos: era web 2.0. A interacção do utilizador com o leitor, numa medida nunca antes vista. Havia um programa de rádio que se dedicava a conhecer os bloggers por detrás desses tais primeiros blogs. Ansiava por apresentar o meu: nunca aconteceu. Mas fui convidada para ir à TVI por causa de um texto que aqui escrevi. Não entenderam nada. Acharam que tinha dito o oposto do que estava a escrever. Recusei o convite.
Usava-se o MSN para comunicar e, ainda sem o advento do FB, as linhas de status eram do mais divertido que podia existir. Mensagens directas e indirectas, comentários passivo-agressivos, havia de tudo.
O meu carro era o meu primeiro carro, em terceira ou quarta mão. Um Twingo bordeaux, que me levou ao sudoeste pela primeira vez, ao Gerês, a Pitões das Júnias, com passagem por Espanha, ao Minho e sei lá mais quantos sítios. Libertou-me finalmente da prisão dos transportes públicos para ir ver os meus pais ao fim-de-semana.
Tinha um computador portátil Asus, novo a estrear. Durante anos fiz selfies minhas com a câmara - ainda não se chamavam selfies - e adorava ver a minha própria evolução. Deixei de usar esse computador e nunca recuperei as fotos. Lá está, a prática do desprendimento que aprendi com o telemóvel.
Trabalhava há tantos anos no mesmo sítio que acreditava que a minha vida nunca mais ia mudar, que ia ficar ali para sempre. O para sempre não existia, era apenas o presente. Tinham-me diagnosticado um cancro meses antes: perdi a eternidade aos 27. Foi numa noite assim, no quarto alugado onde assistia aos Óscares, que nasceu a Caixa dos Segredos. Dura até hoje e já tudo mudou.