Tratei um professor catedrático por você
vanita
Na minha terra, onde cresci, o tratamento por você era reservado aos avós e às pessoas com quem fazíamos mais cerimónia. Num sítio onde todos se tratam por tu, onde ainda havia poucos doutores e académicos que se distinguissem dos demais, o tratamento por você era o mais elevado que se usava no dia-a-dia. Acima disso, só a senhora professora e o senhor doutor, reservado a médicos ou advogados. Assim sendo, e por incrível que pareça, só muito recentemente percebi que, em determinadas franjas da sociedade, nomeadamente no meio académico, o tratamento por você é considerado menor e rude. Ao espanto, seguiu-se a vergonha: quantas vezes não assumi eu o tratamento por você com a reverência que me foi incutida desde sempre? Teria, em todas essas ocasiões, sido sempre alvo de repúdio ou chacota? Como é que nunca me tinha apercebido? Analisando, notei que talvez não me tenha realmente cruzado assim tanto com essa franja que se confrange com esse tipo de situações. A minha frequência universitária foi praticamente omissa nesse contacto catedrático e reverente e o meio profissional que segui assumia a postura mais informal possível. Os jornalistas não usam títulos no trato com as pessoas e, maioritariamente, privilegiam o tratamento na segunda pessoa do singular. É pois, possível que tenha vivido numa pequena redoma que me deixou fora destas balizas que rapidamente nos atiram para a gaveta de saloios ou pouco polidos. Mas, se o comportamento advém da aculturação do meio onde se vive, deverá passar pelo escrutínio de outros grupos com valores distintos? Como se determina o comportamento dominante? Ou, entrando num novo grupo, o indivíduo deve adaptar-se sem senão às regras definidas, sob pena de ser desconsiderado? A sociologia diz que sim, que são essas algumas das condicionantes do comportamento de grupos, mas será justo? Ou será que a auto-censura que imprimo a mim mesma quando me apercebo que acabo de tratar um professor catedrático de renome por você - reflexo de um comportamento apreendido desde a infância - não renega e desonra as origens? E quando se usa o tratamento por você para perguntar se o tal professor não gosta de castanhas: em que gaveta é que isso me põe?