Largar as máquinas de escrever
vanita
Não foi há tanto tempo como possa parecer, mas a revolução existiu e quase não sobra quem se lembre dela. Há não menos de duas ou três décadas, o jornalismo fazia-se em máquinas de escrever, com recurso a cola e tesoura sempre que era preciso emendar, encurtar ou fazer encaixar caracteres. Nem todos conseguiram acompanhar a mudança e, quando entrei numa redacção pela primeira vez, ainda era possível encontrar saudosistas, redactores com memória fresca de uma viragem que tinha acabado de varrer mundo. Vaticinou-se o fim, proclamou-se o apocalipse, questionaram valores e opções mas o dia-a-dia sobrepôs-se a tudo isso. Como sempre acontece. As desgraças esfumaram-se na novidade que o presente trazia. Com os computadores poupava-se tempo, renovavam-se métodos de trabalho, ditavam-se novas abordagens e quando tudo ia ganhando sentido, o passado ficou lá atrás, junto com quem se recusava a acompanhar o chamado evoluir dos tempos. Passa-se o mesmo hoje em dia que, nisto de revoluções, somos pródigos. Depois do micro sismo que ditou a passagem da fotografia analógica para o digital, discutimos o fim do papel. Revoltamo-nos com a mudança de hábitos dos consumidores, queremos parar o mundo, fazê-lo perceber o nosso ponto de vista porque, sabemos disso, temos razão. Em paralelo, proliferam novas formas de estar, tendências que não podemos ignorar. Ninguém tem tempo para ler jornais, a informação consome-se distraidamente, em dispositivos móveis, aplicações várias que vão ao encontro das necessidades de cada um, em cada momento muito específico e concreto. É lá, nesse mundo virtual e digital que a tantos atormenta, que se vai buscar o que procuramos. Lutar contra uma realidade existente é como sentarmo-nos numa cadeira de balanço. Não nos leva a lado nenhum. Saberemos largar as nossas máquinas de escrever?