Declaração de interesses #1 - Este é o primeiro livro que leio de Umberto Eco
Declaração de interesses #2 - Sou jornalista. Actualmente em stand by, mas jornalista.
Nunca li "O Nome da Rosa" nem sei se o farei mas, assim que bati com os olhos neste novo livro de Umberto Eco, fui incapaz de o ignorar. Parti às cegas, sem saber o que estava por detrás deste "Número Zero". Não sabia se era edição recente ou reedição de livro antigo. Li a sinopse e, enquanto não o devorei, foi um desassossego. Explico: a acção deste pequeno romance de pouco mais de 100 páginas passa-se nos meandros da redacção de um jornal diário. Um jornal que nunca chega a ser publicado, é certo, mas que expõe todos os vícios de qualquer redacção por esse mundo fora. Uma crítica feroz ao papel dos jornalistas e ao suposto quarto poder saída da pena de um escritor e filósofo incontornável. Irresistível.
Comecemos pelo acessório. Detesto a capa escolhida pela Gradiva. Mudava tudo: cor, brilho, imagem, tipo de letra. Até o formato do livro beneficiava de uns centímetros trabalhados com mais carinho. Não se justifica que um livro sobre jornais aposte no brilho para a capa que, sob um fundo cinzento, morre na insípida imagem escolhida. Dá a sensação que foi feita às três pancadas, em cinco minutos, para perder pouco tempo. É o que menos importa.
Quem não conhece o meio jornalístico pode ficar chocado com o que Umberto Eco expõe sem salamaleques de qualquer tipo logo no arranque deste "Número Zero". As redacções são micro-cosmos muito específicos, tudo ali se passa em velocidades divergentes daquelas a que o comum dos mortais está habituado. Os desígnios de quem abraça o jornalismo e, por ele, não se importa de sacrificar até a vida pessoal, auferir um salário menor e nunca despir a camisola, sem qualquer noção de horários laborais, não são visíveis na aura de glamour que envolve a profissão. Uma dedicação que muitos chamam de "bichinho", para não dizer apenas que é paixão.
"Número Zero" é, por isso mesmo, um documento único na exposição crua e factual com que nos abre a porta desse jornal diário que nunca chega a ver a luz do dia. Há passagens brilhantes e arrepiantes, em que qualquer jornalista se irá rever, e é com emoção que abraçamos este romance. A mas promessa não se cumpre. Tal como a capa, a partir de determinada altura, temos a sensação que o autor se perde em relação ao objectivo inicial e, em linguagem corrente, a montanha acaba por parir um rato.
Em suma, o tema é apelativo mas este não deve ser o livro mais elaborado de Umberto Eco. Antes pelo contrário, a própria escrita reflecte a falta de entusiasmo e vontade que invade o texto a meio da trama. Vale pela curiosidade de conhecer a parte menos visível de uma redacção.