O chão estalado e infértil de uma terra vazia que queima. Assim é o cenário comum que compõe os 17 contos de "A planície em chamas", do mexicano Juan Rulfo, um pequeno livro com menos de 150 páginas, com o peso de uma lição de vários anos de literatura. Nada aqui é simples ou fácil, o mundo dos homens confunde-se com a ausência de vida de uma terra escondida e inóspita que molda os comportamentos crus e brutais de seres humanos que nunca conheceram mais que a barbaridade e desesperança. As personagens deste livro são como o terreno seco e árido daquela região. Vida e morte intrometem-se sem desgraça aparente, num mundo onde a violência e devassidão humana são inexistentes por falta de contraste. Não há aragem, sopro de ar ou balão de oxigénio que liberte as histórias aqui contadas da total falta de esperança. Brilhantemente trabalhado, todas as frases de cada um dos contos constituem um tratado analítico de recursos estilísticos que não consigo abranger no seu todo. Ainda assim, apesar da realidade feia e pungente ali guardada, é difícil ficar indiferente perante a beleza que lhes dá forma. Não sou fã de contos, e foi com alguma resistência que avancei na leitura deste tão pequeno livro, até porque, estranhamente, o cenário atroz e um pouco onírico teve o condão de me fazer bocejar a cada duas palavras, mas nunca deixei de me render àquilo que dizem ser o embrião do realismo mágico. Este não é um livro para quem procura uma mera distracção no dia-a-dia agitado. É, sim, uma pérola para quem não tem medo de se reconhecer no pior do ser humano. A não esquecer.