Então é assim: pegas na Scarlett Johanson - Allen, querido, toda a gente sabe da tua tara, não é preciso teres problemas, está-se bem. Como eu dizia, pegas na Scarlett Johanson e pões a miúda a sair da faculdade e a pesquisar anúncios de emprego. À Scarlett, não stress que não o papel não exige muito, basta ser ela própria. Aliás, exactamente por isso, na cena seguinte, arranjas um Hugh Jackman - alguma coisa que leve as mulheres ao cinema, já sabes quem é que manda lá em casa - e mostras o gajo a contratar a recém-licenciada: é mentira, toda a gente sabe que ela não concluiu sequer as cadeiras do primeiro ano, mas se queres retratar a realidade portuguesa, tem mesmo de ser assim. Senão, não é verosímil. Inventas uma maneira porreira de mostrar a passagem de tempo, vestes a miúda com umas roupas giras, que se veja muito corpo desnudo, mas nada que seja demasiado agressivo e, como tu sabes bem fazer, contas aos telespectadores que aquela relação vai para lá do que é profissionalmente exigido.
Ah, estou a esquecer-me de te contar outro pormenor essencial: a Penelope Cruz. Toda a gente sabe que os portugueses são tipos morenos, quase arraçados de americo-latinos, e só a Penelope Cruz é que te enche as medidas para esse tipo de papel. Tiras a miúda de casa, mas deixa-a trazer os filhos atrás. Se vierem com as fraldas agarradas, tanto melhor. Só que, neste caso, trocas a indumentária à actriz. Toda ela terá de se apresentar com pecinhas do grupo Inditex - é espanhol, mas é mesmo assim que se faz em Portugal. Para ser mais real, deveriam ser roupas de lojas chinesas, mas o cinema exige algum glamour. Qual é o papel da Penelope? Pois, a querida é a mulher do Hugh Jackman, bem se vê. O resto, já sabes como é, não vou estar a ensinar a missa ao padre. Não te esqueças é que a Penelope tem de ter um curriculum a sério - não de fachada como o da Scarlett -, tem de estar desempregada mas é imperativo que se perceba que é uma profissional competente e, basicamente, só a podes mostrar confinada às tarefas domésticas. Exagera bastante nessa parte, para mostrares o quão complicado é gerir uma casa com orçamento dos ordenados praticados em Portugal e os subsídios de desemprego.
Ainda estás a acompanhar? Pronto. Aproveita essas cenas para mostrares o Castelo dos Mouros, a ponte 25 de Abril e as ruas pitorecas dos bairros típicos de Lisboa. Até podes por a nossa Penelope a passar em frente aos Pastéis de Belém e a admirar a fila de turistas que ali se aglomera. Este pode, apercebo-me agora, ser um dos momentos cruciais para o teu argumento: é aqui que a Penelope assiste à traição. Sim, porque todos sabemos Woody, filme sem traição, não é filme. Menos ainda se contar com a nossa Scarlett no argumento. Soaria a falso. A cena final - completamente out of the blue - mostraria a quase falência da empresa do Hugh, causada por um erro de gestão da pequena Scarlett. Apesar das evidências, todos sorriem e entregam o prémio de funcionária do ano à traidora. Penelope é escorraça e perde o subsídio de desemprego.
Não digas que não te dou nada, Allen querido.