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caixa dos segredos

Bocados de mim embrulhados em palavras encharcadas de emoções. Um demónio à solta, num turbilhão de sensações. Uma menina traída pelas boas intenções.

16
Nov22

Esta ideia de ser Saramago


vanita

Se fosse vivo, José Saramago faria hoje 100 anos. Num mundo cada vez mais distante daquele que era o mundo original, contabilizar a passagem do tempo de quem já não está roça a insanidade. A data serve como desculpa para celebrar um escritor que respira em cada uma das palavras que deixou enquanto existia. O homem, esse, desapareceu no mistério que um dia também nos há-de tragar a cada um de nós. José Saramago será a visualização gráfica de um conceito, uma ideia bem distante do que era o ser que lhe deu vida. José Saramago é o Nobel português. Uma verdade sólida. O homem que nasceu há 100 anos é o génio que morreu aos 88. Alguém que alguns de nós conhecemos enquanto era vivo. Até ao dia em que não haverá mais ninguém que lhe sobreviva. Nesse momento, a recordação da pessoa dará lugar à celebração da figura.

20
Jul22

Geração de cristal


vanita

Feitos de loiça, frágeis e preciosos. Assim somos neste início de século. Polícias de comportamentos e costumes, mimados e protegidos, comandados pelo medo e de dedo em riste, a apontar falhas. Vivemos sozinhos numa angústia solitária mascarada de filtros que escondem a realidade. Somos opacos, vazios e sem conteúdo. Ansiamos por algo que nos quebre e roube à redoma de cristal em que nos enclausuramos. Tememos pelo mundo que não conhecemos e, como copos de vidro, continuamos no armário a aguardar a próxima grande festa que nunca será suficiente para justificar a saída. 

25
Mai22

Sobre a licença menstrual


vanita

Uma em cada dez mulheres sofre de endometriose.

Vou isolar esta frase para que possam aperceber-se bem do alcance desta estatística. Em todo o mundo, uma em cada dez mulheres sofre de endometriose, uma doença crónica que se traduz em dores incapacitantes associadas ao período menstrual. Uma doença sem investigação clínica suficiente para que se conheça sequer a razão da sua origem. Existem três teorias - pouquíssimas e muito recentes - ainda não comprovadas. Uma doença ainda desconhecida por grande parte da comunidade médica em exercício no atendimento aos doentes. Uma doença praticamente sem acompanhamento clínico na segurança social, existindo apenas algum apoio privado - caro e à beira do princípio do negócio comercial dada a ausência de respostas por parte do Estado. As mulheres que sofrem de endometriose vivem dias de dor intensa muitas vezes comparada à dor de parto, dores que demoram entre sete a dez anos a serem diagnosticadas, quando são, e para as quais não existe tratamento. Sim, a endometriose é um doença que apenas encontra algum alívio na(s) intervenção(ões) cirúrgica(s) - já referi a questão dos privados, alguns deles sem comparticipação de seguros (estamos a falar de pessoas desesperadas sem alternativa). A endometriose afeta uma em dez mulheres. Mulheres que não têm sequer um reconhecimento de doença crónica que lhes conceda algum alívio na cruz (muitas vezes diária) que carregam. A licença menstrual não é para as pessoas que menstruam. A licença menstrual é para as pessoas que precisam dela. Sim, a licença levanta questões de igualdade salarial que podem deixar a progressão profissional das mulheres em causa. Apenas e só se considerarmos que a licença menstrual é um direito universal. Não, nem todas as pessoas que menstruam têm direito a licença. Apenas aquelas que precisam dela. Como qualquer pessoa doente.

20
Mai22

Acreditar


vanita

Eu tinha 20 anos mas é como se fosse hoje. De pé, no decorrer da cerimónia eucarística da Páscoa, enchi-me de indignação e descrença. Naquele momento, sei precisamente qual é, tudo deixou de fazer sentido e isolei um grito surdo na minha cabeça. Como é que tanta gente se ajoelhava numa tão grande e óbvia patranha? Foi mais forte do eu. Não sobrou uma réstia do que se chama fé e nunca mais consegui anunciar-me como cristã, comungar ou celebrar de forma ativa e "praticante" os ritos da religião onde cresci e fui educada. Não cai nessa fossa de fingir uma dedicação que não existe, ao menos isso, tão pouco me revoltei. Não me tornei apática. Distanciei-me e aceitei que o meu caminho não passava por ali. Também não tive pudor em, plenamente consciente, voltar como mera visitante ou espectadora em situações esporádicas e festivas. Tem sido assim até agora. Com duas notas dignas de serem assinaladas. No fatídico 16 de maio de há 16 anos, quando entrei numa igreja para pedir ajuda a Deus, eu com 27 anos e um papel a dizer tumor carcinóide numa mão, e durante a pandemia, depois do que achava eu ser todo o mal ter acontecido, quando acendi três velas em Fátima, cheia de boa vontade e intenção. Os piores dias de sempre não tardaram a chegar e a desilusão com a falta de atendimento às minhas preçes, apesar de intensa, foi breve breve. Não esperava mais, é pena. Mas Deus escreve por linhas tortas, dizem. Não sei se têm razão, mas hoje acredito que sim. E estou tão agradecida.

27
Abr22

A terra onde eu fui já não é


vanita

A demência e a velhice levaram o padre que, na minha memória, ainda guarda a inteligência travessa que tecia as astutas homilias paroquianas que eu ouvia  nos meus anos de praticante. Foi-se, deixou-nos.

Também o venerável diretor da escola já se despediu deste mundo. Deixou nome a fazer história, mas quem guarda a memória dos seus excelsos cumprimentos ao entrar no portão do externato? Já só nós nos lembramos.

A infelicidade e a doença levaram o primeiro namorado, muito depois de o ter sido. Quando morre o primeiro amor, leva consigo uma parte do que fomos. E já foi há tanto tempo.

Hoje morreu o mais carismático professor da escola, aquele que nunca me deu aulas e o único que desejei ter conhecido mais de perto. Do tanto que fez, ficam alicerces para muito mais. Partiu, mas não se foi.

O passado é um lugar lá atrás que julgamos que existe mas onde não conseguimos nunca chegar. Só reparamos nele quando desaparece. A terra onde eu fui já não é.

 

 

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