À Espera no Centeio, de S.D. Salinger*
vanita
*mundialmente conhecido por The Catcher in The Rye
"O que realmente me enche as medidas é um livro que, depois de acabarmos de o ler, nos faça desejar que o autor que o escreveu fosse um grande amigo nosso e pudéssemos telefonar-lhe sempre que nos desse para aí", Holden Caulfield, em The Catcher in The Rye, editado em Portugal pela Quetzal, com o títutlo À Espera no Centeio.
Parabéns, J.D. Salinger! Apeteceu-me telefonar-lhe logo que terminei o livro para uma longa conversa, sobre tudo e mais alguma coisa, sobre o livro, as personagens, a vida e a forma de encarar os problemas, e até sobre a repercussão desta história que me despertou particular atenção por ser o livro que o assassino de John Lennon levava consigo no momento do crime. Aliás, reza a lenda que terá lido algumas folhas depois de disparar mortalmente contra o músico dos Beatles, enquanto aguardava que a polícia o viesse prender.
Sem grande complexidade de escrita - o narrador é um adolescente com vocabulário limitado e muitos vícios de calão -, esta não é, a meu ver, uma história simples. Não retratasse ela aquilo a que, nos contos-de-fadas, chamamos de "o ciclo do animal noivo". Atormentado, solitário, exigente e desesperado, Holden Caulfield é um jovem como tantos outros, um rapaz que sofreu alguns traumas pesados e difíceis de ultrapassar, que não consegue encontrar o seu lugar no Mundo. O protagonista deste romance chega a ser sobranceiro e irritantemente cínico nas considerações que tece sobre as pessoas mais pobres e com menos posses com quem se vai cruzando. Oriundo de uma família com dinheiro, Holden Caulfield não lida bem com as diferenças sociais e crítica os outros pelo desconforto que lhe provocam. Chega a ser odioso, mas percebe-se que este é apenas um pormenor na teia onde se deixou enrolar.
O adolescente de Salinger é um rapaz sem rumo, que procura a inocência da infância e a justiça das relações sociais a todo o custo. Neste percurso do colégio de onde foi expulso até casa, Holden é obrigado a amadurecer as suas convicções, e a entender que os bons valores que busca nunca passarão disso mesmo, de uma forma de estar partilhada por muito poucos. O próprio Holden tem os seus telhados de vidro, pelo que evoca na sua irmã mais nova toda a perfeição perdida. Para o atormentado Holden, o sonho da sua vida seria evitar que as crianças, que brincam num campo de centeio imaginário, se deixassem cair num abismo. Como "apanhador no centeio", Holden evitaria a corrupção da inocência que ele próprio já não consegue resgatar.
Não sei se é esta a mensagem que Salinger pretende transmitir. Penso que será parte, já que todo o livro permite inúmeras interpretações, não fossem as crises existenciais da adolescência o cerne de tantas questões que fazem o mundo girar. Sei que Holden é igual ao que eu fui e ao que tantos de nós também deixámos de ser. E é sempre bom revisitarmo-nos.